São quase duas da manhã. Há alguns anos, eu diria que estava preparando algum tipo de delícia alucinógena para rebater o insano surto famélico dos bróders alojados em meu sofá.

Foto de papinhas.

Mas a verdade é que o tempo passou e, entre batatas, abóboras, beterrabas e maços de couve, fatio, pré-cozinho e congelo os vegetais que comprei na Feira de Orgânicos. Amanhã eles vão para a panela, virar as refeições da semana da minha bebê de seis meses.

Existe nesta cena uma inexorável sensação de passagem do tempo e crescimento. Desde quando a comida acompanha você, leitor, e exerce tanta importância em sua vida? Não falo do simples fato de alimentarmo-nos, vital por si só, mas da relação que travamos com ele. Quando comecei a morar sozinho, fazer arroz tornou-se uma vitória. Foi um pulo até que cozinhar me desse o poder de comer o que quisesse, quando quisesse. Sushi? Damos um jeito. Comida indiana? Basta seguir a receita do livro. Conhecimento é poder, autonomia é liberdade. Escravo do miojo? Nunca mais.

Foi assim que eu cresci: cozinhando, aprendendo, errando. Como todo aprendiz, houve um momento em que pensei estar acima do bem e do mal. Em meus textos, fiz piada com hipsters, hippies, rajneeshs, com praticamente todo grupo que pensava diferente de mim. É a eles que devo desculpas, por não ter compreendido o que diziam há tanto tempo. Hoje eu entendo.

Quem diria que eu, depois de tanta zombaria, me tornaria um defensor dos orgânicos? Reconhecer os erros e mudar de opinião é questão de sobrevivência. Uma forma de dizer que, não importa quantos agrotóxicos sejam liberados, eu não aceitarei isso no meu prato. As escolhas que fazemos em relação à comida estão ligadas a quem somos e ao nosso nível de compreensão do mundo. Talvez seja uma boa explicação para as crianças sempre quererem comer a sobremesa antes do almoço. A doçura da infância, seguida pela complexidade da vida.

Eu mudei simplesmente porque vale a pena mudar. Uma mudança que está diretamente ligada à saúde e ao bem-estar. Mais uma vez em minha vida, percebo que comida é mais que apenas comer. É crescimento. O meu e, agora, o da minha filha também.

* Publicado originalmente na revista do Fórum Tutano de Gastronomia (09/2019).

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